José Porvinho é aquele lado de mim, que também pode estar dentro de cada um de vós(nós)...


MAL-EMPREGADA

Num fim-de-semana destes rumei até Vila de Rei. Ou melhor, apeteceu-nos por lá parar durante um tempo. E quanto bem nos sentimos numa terra assim... simpática; assim... acolhedora; assim... bonita. E assim parámos e ficámos. Almoçámos e fizemos sesta – modo de dizer, é claro! Almoçamos muito bem, claro e depois permanecemos naquela mornice contagiante que delicia e reconforta. Com vagar, ficámos a fazer sala num outro espaço muito bem frequentado, com tempo para ter daquelas conversas que parece que já não nos lembrávamos de ter tido e para ir observando a vida circundante. Tudo nas calmas. Tudo calmamente também se passava em nosso redor, sem os habituais atropelos citadinos e habitual indiferença. Não, ali (aqui) as pessoas, são pessoas. E carinhosamente tratadas. Tudo como deve ser.
É em terras com esta que ainda nos sentimos gente. Gente viva, observadora, sensível e feliz. E é destes sítios que normalmente trazemos na bagagem muito para contar. E quanto ainda é que ficou por ver e sentir.
- Bem, brevemente temos que lá voltar.
- Fica prometido. E pronto comprometemo-nos a repetir um dia assim e desta vez com as famílias. Ou mais amigos, quem sabe!
Sim, Vila de Rei terá sempre muito para ver e contar. E muito mais para surpreender e encantar. Aliás, é precisamente neste nosso Interior e por terras mais pequenas, que nos sentimos mais confortáveis, mais nostálgicos, mais calmos, mais saudáveis, mais... (em suma) mais nós!
A terra convida e o tempo também estava bem convidativo para um dia de Inverno.
Aliás, tínhamos saído para ver o Inverno e encontrámo-lo cheio de sol, macio, semi-despido e descontraído. Agradável. Nestes dias de Inverno suave, com o sol a brilhar e de temperaturas amenas; apetece-nos saltar para a rua e ir conhecer o Inverno e beijá-lo na face... se possível! E nestes dias assim de falso Inverno, também toda a passarada aparece logo, nem se sabe muito bem de onde, para dar sinais de si, como que acordada da letargia friorenta da invernia ou dos períodos mais longos de sol mal-parado. Agradáveis e também mais alegremente sonoros estes dias de Inverno assim!
Aliás, tínhamos saído sem destino e sem pressas entre amigos - coisa rara hoje em dia. E sem programas. Um tanto para contrariar as nossas vidas de corrupio constante e um nosso mundo, cada vez mais frenético.
De facto, quantas vezes se “corre Ceca e Meca” para não se chegar a nenhures. E depois quando se chega a algum lado e supostamente se estaria bem, parece que o pessoal só se conforme, quando se pões a andar e vá-se lá saber para onde!? Não é o pão-nosso de cada dia, mas acontece-nos vezes demais.
Mas naquele dia não. A terra convidava de uma maneira tão especial, com uma satisfação tão tranquila que naturalmente retemperava. E apelava ao apreço do espaço e à devida valorização do território. Assim, deixámo-nos estar a apreciar eficazmente o momento, apesar das voltas sugestivas que por terras de Vila de Rei, gostaríamos de ter dado e que não demos. Mas, ora aí está precisamente mais uma excelente razão para lá voltarmos e novamente com todo o vagar e... com mais gente para igualmente retemperar o espírito, o corpo e a “psique”.
Existe uma procura quase impraticável e um descontentamento quase indecifrável; daquilo que queríamos só até o termos; e de onde desejaríamos estar, só até lá chegarmos. Deixando no ar, a ilusão de uma insatisfação desejada ou de uma insanidade consciente – o que nos atrapalha suficientemente o nosso viver, já por si demasiado atroz.
Se calhar, somos é demasiado exagerados nos Km.s que fazemos, uns exigentes do caraças na atenção que pretendemos e uns indecisos de primeira na procura dos nossos desejos e vontades mais evidentes.
Queremos e ansiamos sem saber muito bem o quê, como se ainda não nos conhecêssemos o suficiente. Se calhar, até é verdade. Pelo menos, ao nível do nosso mais intrínseco íntimo e do nosso mais sincero gosto, que brota de todos os nossos poros.
Outra sensação estranha, é a de que andamos normalmente atrasados em relação àquilo que nos acontece; e a de que estamos a ir a reboque de qualquer coisa, chegando igualmente fora de tempo, em relação àquilo que queríamos!
E depois claro, andamos descontentes demais e somos, cada vez mais difíceis de contentar.
Mas um dia destes, ainda havemos de acertar o passo, com o ritmo que a nossa vida devia ter e de apurar o gosto, com a maravilha que ela deveria ser!
Bem, esse dia parece ter chegado, nas sensações daquele dia, a todos os níveis, diferente e marcante. E se houve aspectos que nos marcaram de um modo idêntico e até comungado, houve outros que com toda a certeza, ficam com cada um de nós. Que são pessoais e que nos sugerem coisas bem diferentes, desde a observação exterior ao recato subjectivo da nossa análise.
E naquela tarde calma assisti a algo, que passo a relatar e que não passei para os outros dois colegas do lado; nomeadamente para não espavorir os intervenientes e estragar todo o seu enfeitiçamento. E até, possivelmente, alterando os seus acontecimentos.
Assim, naquela tarde calma e já de sol empinado e apetecível, lá nos fomos demorando na tal “sesta” conciliadora. E por essas alturas e favorecido pela localização da mesa de café, fui apreciando particularmente aquele possível início de namoro. E há que tempos que não assistia ao arrulhar de dois pombinhos! Pelo menos, foi o que me pareceu pelas circunstâncias do momento e acreditando nas melhores intenções de ambos os parceiros.
Percebia-se nitidamente que também eram forasteiros. Tal qual nós. Só que talvez, eles tivessem programado a coisa, seleccionado a terra, definido o local, para que nunca mais se esquecessem, que foi ali que tudo tivera o seu início. Ficarem assim ligados e muito particularmente, a Vila de Rei. E percebia-se que não eram dali, porque quem também é de uma terra de Interior e mais pequena, como eu; percebemos isso logo à distância.
Estavam naquela fase... muito gira, do avanço e do recuo, mas a avançarem esclarecedoramente. No meu tempo, esta fase era bem mais lenta, mas elas agora ajudavam e de que maneira, bem mais à festa!
Notava-se claramente que a conversa ia agradável e que estavam ambos no bom caminho. Os olhares iam-se cruzando cada vez mais esclarecedores e intencionais. Os gestos iam e vinham até à simulação do toque. E ele a provocar um pouco e ela a ajeitar-se como deve ser – pois, no meu tempo elas não se chegavam logo assim tanto para a frente. É! E foi ela que avançou ligeiramente a cadeira na direcção dele. Os sorrisos eram frequentes e de aproximação; ou melhor, de atracção. Comprometedores e afirmativos.
De que se ririam tanto? Estava-se mesmo a ver que a conversa devia ir uma chanchada, mas no sentido certo. Percebia-se ao loooonge o que ambos queriam! Repentinamente, depois de bastante tempo concentrados só na atenção do outro, os risos, as palavras e os gestos, foram até ao toque nas costas da mão, ao dedilhar, ao afago e... e pronto. Estava quase.
Com a primeira tentativa dele para lhe pegar na mão, ela retirou-a um pouco para trás, mas compensou logo de seguida, quiçá arrependida da inconsciência do movimento defensivo; com um sorriso e um olhar daqueles! Daqueles, daqueles... que não deixam margem para quaisquer dúvidas. E ele de seguida, entontecido, fez a investida final, investido que ficou de tanta confiança e vai de mais suposta piada, seguida de uma carícia no rosto, entre a bochecha, a orelha e a descair até ao pescoço. E ela correspondeu com o tal “olhar matador”, entre o apertar da cabeça quase até ao ombro, espremendo suavemente a mão do rapaz. Os seus cabelos soltos e lisos escondiam a mão e eu de longe, também sorri pela conquista. Mais uma dupla conquista que o mundo tinha pela frente. Mais um novo casal que se “afiambrava” para um novo desafio. Mais crianças que iríamos ter todos. É podemos falar assim, dada a escassez dos nascimentos que vão acontecendo por estas nossas terras.
Como disse, eles certamente que não eram dali, tal o modo ofuscado e embevecido com que estavam e se comportavam publicamente; mas também não eram citadinos. Talvez de um outro concelho dos nossos, dizemos nós todos cidadãos mais resistentes e/ou mais conscientes de muitas das nossas mais-valias comparativas. De facto, nós por aqui temos tanto e acreditamos o suficiente, para conseguirmos desfrutar das enormes virtudes e demais potencialidades, que todo este nosso mundo rural de Interior, ainda tem para se nos oferecer. Não é que sejamos contra ou que não gostemos da cidade, nada disso. Eles, o país, os decisores, porventura nós todos; é que ainda estamos longe de perceber e de estimular um melhor reequilíbrio, todo um novo rearranjo territorial; sem o abandono e encerramentos em catadupa e com toda uma nova perspectiva dinâmica de valorização e de fomento de todas as múltiplas capacidades locais.
De facto, enquanto não se desenvolverem (acontecerem) pólos de alternativa económica (de vida) no Interior, o país no seu todo, não terá solução. O país, não encontrará soluções sérias para o seu (nosso) mais que necessário desenvolvimento equilibrado e sustentável. E com créditos e atractivos, que não podem ser só movidos localmente. E nem Lisboa, a continuar assim, também não terá mais para onde ir!
É, a safa que já passou pelo mundo inteiro e de lés-a-lés; entre especiarias e ouro, entre cacau e bacalhau e mais recentemente, entre Bruxelas e o “Allgarve”! Eis-nos em busca de mais uma safa, talvez das derradeiras; que apesar disso, também nunca será a última! Porque o país – físico/territorial – não emigra, mas vai-se depauperando, desmazelando e ardendo; o país – material e infraestruturado – não foge (as coisas sempre por cá ficam), podem é fechar umas e servir outras, para pouco mais do que vista e opulência; o país - humano – tem enorme capacidade de adaptação e sempre nos havemos de desenrascar, como sempre o soubemos fazer, nem que seja uns às custas dos outros e o grosso a aguentar o grosso todo. E o país – económico – modernizou-se, transformou-se e até adquiriu capacidade tecnológica, mas que lamentavelmente não se organiza e que continua a confundir funcionalidade com funcionalismo!
Talvez, depois de termos heroicamente descoberto o mundo, de fomentarmos as primeiras trocas comerciais à escala verdadeiramente global (os primeiros percursores da moderna globalização), de termos surpreendido e de estarmos mais uma vez há frente em termos de direitos humanos, na abolição da escravatura e na condenação da pena de morte! E ainda, por nos termos sabido adaptar e integrar a todo o tipo de trabalho e desde os países mais desenvolvidos aos mais estranhos; eis chegado o momento para nos virarmos mais para dentro e de apostarmos mais em nós. E do nosso território no seu todo, com a mais forte argumentação, diversidade e especificidade.
Viver no Interior não é nenhum drama e desenvolvermo-nos definitivamente a partir de dentro é possível e crucial. E incontornável. Aliás, não pode ser nenhum estigma a interioridade, muito pelo contrário. Até pelo bem-estar e qualidade de vida que temos e por toda uma malha urbana, que se aperta e se estreita por tão caótica e impessoal, para não abordar outras problemáticas.
Sim, a safa pode muito bem estar (pelo menos, passar) por este nosso Interior mais abandonado e esquecido... à espera, numa tranquila boa tarde de sol extremamente agradável.
Enquanto continuava a conversar com os colegas de mesa sobre Vila de Rei e todo o futuro que o Interior tem necessariamente que conter; ia-me entretendo na “leitura” daquela outra mesa. Por entre os seus ombros, obtinha uma vista privilegiada daquela outra mesa. E eles claro, também tinham mais que fazer, do que estarem para ali a ver se algum qualquer coscuvilheiro mais afastado, se estava a interessar nos seus mútuos progressos. Eles também não se podiam distrair um do outro, muito particularmente nesta fase.
Nunca os tinha visto mais gordos; nem eles a ninguém dos presentes, pelas aparências com que mais tarde partiram, atravessando o estabelecimento e rua contígua. E daí também não ser pecado algum, todo o meu possível interesse pelo caso e igualmente, de todo o seu possível desinteresse por nós todos!
Assim, iam-me interessando muito sugestivamente, todos aqueles desenvolvimentos, há espera e a fazer votos, por aquele primeiro beijo por acontecer. Entretanto, notou-se um recuo suspeito nos gestos, nos olhares e nos sorrisos. Um verdadeiro momento de suspense. Depois, depois... é agora; mas não, escapuliu-se num primeiro momento. Contudo, ele insistiu; mas, mas... ela não viu e o beijo ficou dobrado e ao lado, fugaz... mal dado!!! Ele intimidou-se e ela sorriu. E sinais dos tempos que correm, há falta de jeito do lado de lá, avançou ela. Mesmo assim, o beijo não foi completo e para primeiro beijo, deixou bastante a desejar!
Bem, neste momento, talvez o local perturbasse o suficiente a concentração e no mínimo a libertação. É, num momento destes e por mais que não se queira, tudo tem a ver e assim, o beijo não se soltou o devido e o impacto desejado ficou encolhido!
Depois, mal ou bem, lá avançaram para outro beijo, mas ainda sem o fogacho que se exigia, perdendo-se a meio. Não tentaram mais nenhum. Deram as mãos e foram pagar. Continuei a acompanhá-los nos seus passos, que sem grande esforço e suficiente descrição, deu para seguir. A aproximação ainda não era a que devia ser e notava-se à légua, que precisavam de estar sossegados e a sós. Para então aí, talvez aí, o prometido e o conjugado sofresse os desenvolvimentos devidos.
Mas, mas... duvido. Não sei, não sei... não sei, se com princípios destes aquele namoro iria pegar, firmar-se, chegar a algum lugar, a bom porto!?
Bem apreciados os pares e analisando agora mais a frio os acontecimentos, sem aquele meu (nosso) querer de querer ver as pessoas bem, mesmo sem querer e de um modo tão sadio como de naturalmente interesseiro, apesar de totalmente neutro. Simplesmente, o nosso gosto de as ver mais felizes e com os seus intentos mais puros, inatos e bonitos, concretizados.
É assim mesmo, também a nossa primeira objectivação é quase sempre mais pura, inata e bonita e daí, também o nosso gosto concretizado ao vermos concretizados os gostos/desejos mais sinceros dos outros. Acho que somos mesmo assim e para com toda a gente mais desconhecida – tal qual como nos concursos televisivos, em que o pessoal todos faz figas positivas, formula votos e congratula-se quando um qualquer concorrente ganha o prémio. E então quando é o prémio maior, aí é que também a nossa satisfação é maior!
Mas numa segunda análise, num momento posterior, numa perspectiva mais indirecta; agimos e conjecturamos logo de um modo menos intenso, menos emotivo; logo, mais frio, distante e até talvez, mais realista e comedido. E assim e nesta segunda fase e sem querer, dei por mim, muito naturalmente, a cogitar o seguinte:
- Nã, aquilo não vai dar nada!
Mas e porquê? Perguntei eu a mim próprio, questionando e criticando aquele meu quase mau-agouro!
Então queria ou não queria o bem de um e de outro? No fundo, de ambos como casal? Então desejava ou não desejava a felicidade de toda a gente?
Pois, mas as dúvidas eram mais que muitas! As dúvidas pairavam no ar e não saíam de lá. Mantinham-se estratificadas, firmes e irredutíveis. Agora, as dúvidas já eram quase certezas.
- Nã, aquilo não é namoro para ela!
Agora e claramente, parece-me que não! Ele não tinha roupa para aquele cabedal! Definitivamente, ela seria mal-empregada nele!
É que além do mais, ela era elegante, alta, morena, de costas direitas, jovial, com as curvas todas no sítio e particularmente exótica. Uma morenaça e de uma beleza exótica, que marcava o menos atento e interessado. Muito bonita, mesmo. E então, o seu sorriso era do estilo... irresistível. Sem querer, até eu próprio afinal tinha ficado enamorado pela sua beleza e especialmente, pelo seu marcante e super sedutor sorriso! Os olhos, os lábios, assim como outros pormenores, pareceram-me bem saudáveis, há falta de melhor adjectivo para quem não viu de mais perto a jeitosa!
Agora ele... pois, vendo melhor, não tem estaleca para tanto adjectivo! Para tanta fruta! Mas... e se tiver? E se der certo? Pois aí e definitivamente, ela é mal-empregada nele!!!


José Porvinho 22 Março de 2008

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